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Pautado no silêncio, o romance Exercício para clarineta, de Igor Rossoni, recém publicado pela Editora Vento Leste, Salvador-BA, com apresentação do crítico e poeta Marcos Siscar e produção editorial de Gal Meirelles, consagra-se em movimentos de falta e ausência. Uma representação de silenciamento modula também a concepção editorial da obra, que vem a público com projeto gráfico minimalista. O trabalho de capa não traz, sequer, menção de autoria ou titulação da obra, apenas o surdo registro de uma isolada pauta musical sensibilizando o fundo negro do papel. Princípio similar ocorre na opção em disponibilizar a linguagem musical sem o devido registro sonoro. Assim, verbo e melodia se consagram pela falta: iminência e busca.
Exercício para clarineta compõe-se por três partes e executa-se na confluência entre o signo verbal e o musical. Assim, o primeiro segmento – denominado “Caderno de viagem” –, materializado pelo verbo, é narrativa constituída pela memória afetiva de um narrador ao revisitar – por intermédio de nuanças da recordação – instantes da infância vivenciados na companhia do avô, filho de imigrantes italianos e músico. O segundo, nomeado “Histórias para clarineta”, apresenta um conjunto de 23 partituras concebidas pelo avô clarinetista, resultado do trabalho de seleção musical – entre mais de uma centena de composições –, realizado pela pianista clássica Gio Rossoni, radicada em Milão. As partituras cobrem período temporal de aproximadamente 5 décadas e contemplam “Polkas”, “Mazurcas”, “Valsas”, “Schottisks”; gêneros de matriz européia que representam a cultura musical de cunho popular no Brasil das primeiras décadas do século passado. Portanto, vinte e três histórias que se derramam silenciosamente pelas bordas do tempo e pautas no papel. O último segmento – “Tempo de borboletas” – reconstrói os dois movimentos anteriores e dispõe a figura do narrador à experiência da própria remissão.
Exercício outro é proposto para o leitor: Clarineta é romance para ser ouvido em voz alta. Assim, a sonoridade lírica da narrativa imbui-se da tarefa de melodiar a ausência sonora que emana do conjunto das partituras, e recompor – para o receptor, a partir da sugestão do método de leitura – a paisagem das sensações materializadas na obra.
Nesse sentido – pelo afluxo poético – letra e nota, realidade e ficção orquestram-se não apenas porque antigas partituras ganham o espaço de uma pública concretude, mas graças à dicção da escrita que as homenageia, as executa em outra espécie de instrumento. Clarineta, então, é exercício de busca do outro; e – quem sabe – de si mesmo.
ROSSONI, Igor. Exercício para clarineta. Salvador: Vento Leste, 2010.
ISBN: 978-85-99768-66-2
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